5.3.10

Não quero virar memória

Porra mano, que é que aquele mané veio me falar?! Eu sou homem carai, fodasse o resto, o assalto a banco vai trazer o meu progresso.
Eu vou nessa missão, preciso dessa grana, essa fita vai me tirar da lama.

" Eu quase acreditei que o crime seria a saída, pros problemas que eu tinha pra desgraça da minha vida... "

De qualquer forma eu vou pra ação, daqui a pouco os parceiros cola na parada, tá tudo em cima, não tem como fraquejar de última hora. Minha mina vai me dar mais atenção, ela vai ter tudo do bom e do melhor. Meu futuro filho, não vai ser que nem os moleque aqui da quebrada, joelho ralado e canela cinzenta, meu filho vai ter tudo o que eu não tive.

" ...Cuzão de cherokee não vai rir nem aplaudir, o meu pulso algemado, nem me ver no IML..."

- Alô Ditinho, é hoje irmão, tá tudo em cima, não tem como dar errado. Vou pro arrebento mano.
- Mano pensa bem cara, graças a minha mina eu parei com as fitas, graças ao amor eu parei com as fitas, graças a tudo que é há bom na vida, eu parei com isso.
- Conversa de jão do carai a sua, no final da contas, se vai terminar é assim mesmo, passar a vida inteira trampando de Office-boy, sustentando a mulher os filhos, e no final da vida, vai vender tapioca na pracinha ou vai vender churrasquinho pros pinguço. Eu quero a boa carai, depois dessa quem sabe eu paro, ou então eu posso investir. Como investidor eu sou bom, compro dois quilos de maconha e dois de farinha, vou ser patrão. Quem sabe eu te arrumo uma vaguinha, nos meus negócios, ai você também tira o pé da lama.
- Para com essas conversas rapaz, a vida dá voltas, não se ilude, que você vai acabar é dando dor de cabeça pra sua mãe, ou então com terra nos zóio.
- Vou o carai, o lá, tão me chamando no portão, agora já era jão, vou partir pra ação, que Deus me ajude.

Tevez coloca a 765 na cintura, pega a chave da sua moto, e alguém chama a sua voz:

- Tevez, Tevez, Tevez, Tevez....

Alguém chama seu nome desesperadamente, ele não reconhece a voz, mas percebe que a voz vem de dentro de si.

- Tevez, tevez, tevez.
- Quem é carai?
- Seu coração, eu ainda pulso dentro de você.
- Não é possível mano, acho que foi a maconha que eu fumei ontem, tá fazendo efeito ainda....
- Tevez cuidado com as falsas amizades, elas vão te arrastar!
- Puta que pariu mano, será que o Ditinho tá certo mano, eu nunca senti esse barato.

Tevez coloca a cabeça pra fora do barraco. Dois malucos de moto, dois carros e muita disposição o esperam, álias, na favela o seu conceito era 100%, não poderia ramelar no último instante. Mas ramelou.

- Aê pessoal, algo está me dizendo que isso vai dar zica, e eu... não vai dar pra eu ir não.
- Eai cara, para com essa besteira do caralho, virou cuzão agora, pipocou vacilão.
- Não é isso mano, é que não vai dar tá ligado, meu sexto sentido tá me dizendo.
- Se tá errado mano, sua vida vai mudar, se liga, se vai se montar, você merece, sempre quiz isso, e lutou, não vai deixar a peteca cair agora né.
- Sem chance mano, eu sei que é mancada e pá, mas não vai dar, vão com Deus vocês, que eu sigo meu caminho aqui.
- Que caminho cara, logo mais se tá roubando outro lugar, tá com medo por que a fita é grande, mas ai, a gente tá com pressa, e não é por causa de um otário que nem você que a gente vai parar, falou mané.

Tevez engoliu a seco os insultos, sentou numa cadeira, e sem entender o por quê, lágrimas cairam de seus olhos, e se sentiu mais leve. Doeu mais que um tapa na cara, ser tirado de pipoca, mas doeu menos que um tiro de fuzzil. Tevez ainda pensou em ir atrás dos manos, mas a palavra já tinha voltado, e perderam a confiança nele. Antes de pensar qualquer outra coisa, um verso, de um grupo de RAP que ele gostava, invadiu seu barraco:

" Não quero virar memória, nem ficar pra história, a minha vida vale mais que uma simples tragetória..."

Tevez pensou em sua mãe, em sua mina, na mina que esbarrou no dia anterior, sua mente entrou em confusão. Pegou as chaves da moto e saiu. Acelerou até a casa de Ditinho, tinha que conversar com ele, pra rever sua vida.

Renato Vital é escritor.

Esse eu escrevi em homenagem ao grupo A286, em especial ao mano Moisés A286. Esse conto não altera em nada a trajetória dos personagens.

Leia: Herman Hesse, vai fazer bem pro seu coração.

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