Fato é Fato
Descendo a ladeira, vejo vários tiozinhos sentados na calçada, com algumas garrafas de cerveja já tomadas. A maioria são já aposentados, muito deles ainda trabalham, fazem bicos. Posso ver que algum deles, passaram a vida inteira trampando em alguma obra, pra construir alguma coisa, que eles jamais vão desfrutar, vendo de vez em quando o Arquiteto ou Engenheiro, nojento metido à fresco, passar com a cabeça levantada e o nariz empinado, só por quê cursou escola cara e universidade se acha melhor que o humilde nordestino. Penso em como a vida é, trabalhou tanto, pra depois a diversão ser apenas a cachaça e a novela na televisão, vez em quando um carteado.
Mas adiante vejo alguns moleques, tão conversando sobre alguma coisa, tudo adolescente entre 14 e 17 anos, o assunto eu já sei de cór, devem estar falando de alguma moto, mina vadia que rodou a banca, dinheiro ou simplesmente jogando conversa fora. Na comunidade existe telecentro, um local que oferece cursos, percebo que eles participam também dos projetos, mas mesmo assim o tempo que resta, é a rua que vai preencher. Nada contra a rua, pois a sabedoria, a malandragem de verdade, vem dela, mas queria eu que mais coisas interessantes fizessem parte da vida deles, pois eu também sou um jovem sei o ritmo daqui.
Chego na avenida, atravessar nesse trecho é difícil, mas quem é o louco de ir até o farol lá no cafundó do Judas, e atravessar na faixa. Vejo que o trecho do corredor de ônibus que estava pra terminar foi concluído, até que enfim, essa artimanha do governo é conhecida, perto da eleição, termina a construção. Subo o escadão, daqui de cima da pra ver, o quanto somos grandes e pequenos ao mesmo tempo, o que rodeia são casas, a maioria sem acabamento, mostrando o contraste da periferia.
Lembro de uns Raps que tenho ouvido ultimamente, lembro dela, lembro de várias coisas ao mesmo tempo, minha mente é uma arma, mas tenho que mante-lá engatilhada. Aqui nessa rua que eu passo, não tem ladrilhos, nem pedrinhas de brilhantes, álias nem tem asfalto, mas à diante a outra rua tem asfalto, chego na casa do mano.
- E ai mano beleza, tava dormindo?
- Tava nada mano.
- Ficou sabendo do Facção, os caras tão brigado.
- Ai é embaçado mano, tem que ver isso depois.
O ensaio começa, a base no som dá o tom da letra, começamos a versar, essa é a nossa cultura, esse é o Hip-Hop de rua, o RAP muito criticado, mas também muito amado. Ensaiamos algumas músicas, as vezes rimos dos próprios erros, e de vez em quando paramos pra conversar sobre o grupo. O ensaio termina, trocamos mais algumas idéias, e depois vou embora, é finalzinho de tarde, muitos voltam do trabalho, muitos voltam da escola, e muito ainda vão ir pra escola, luta que é através de muito suor. Fico pensando calado, só pensando, pois fato é fato.
Renato Vital escritor poeta e Rapper do Grupo Fato Realista da zona sul de São Paulo.
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