27.5.11
A saga de um craqueiro
A saga do crackeiro
Vestiu a bermuda rasgada, olhou pra mãe, mas sem carinho nenenhum, só via nela a chance de ganhar dinheiro. Pensamentos maléficos, frutos do seu novo amigo, o crack.
- Eu amo mais o crack, do que a minhã mãe, eu amo mais o crack, do que a minha mãe.
E dava gargalhadas sinistras, pra ele era normal se comportar assim. Outras vezes era bem pior, inacreditável, mãe é um ser supremo, sagrado, mas pra ele talvez não.
- Se essa puta não tiver dinheiro, enfio a faca nela, se essa puta não tiver dinheiro enfio a porra da faca nela.
E ficava rindo, olhando pra parede do seu quarto, depois que a nóia da pedra passava, se arrependia, mas bem pouco.
Foi até a cozinha de casa, a nova empregada da casa esquentava o café na cafeteira elétrica. A última empregada que trabalhou ali, fora descartada, estava velha demais pras tarefas domésticas, dizia dona simone. Hugo não sabia o que saboreava mais: a possibilidade de vender a cafeteira e conseguir pedra; as pernas da empregada que estava de saia; o cheiro do café ou a faca em cima da pia que podia usar pra matar a irmã e roubar o dinheiro dela. A muito Hugo não cultivava amor pela sua irmã, a via apenas como uma vadia, que ia pra escola pra paquerar, e ficar se agarrando com os moleque da escola nos cantos do bairro.
Se aproximou da empregada, mas esquecerá o nome dela, também puderá, a fissura da pedra era maior, e também pra rico pouco importava o nome delas, Marias, joanas, Luzias, Valquirias, Valdetes, Francinetes... tanto faz. O que eles querem delas, é a pontualidade, o trabalho escravo e nada de reclamar, só trabalhar, trabalhar e trabalhar. Nada incomum, ou estranho nessa nossa sociedade límpida, justa e progressiva.
Hugo olhou ela nos olhos, ele estava com a cara pálida, uma fisionomia esquisita, magro, muito magro.
- Oi Hugo, como vai menino, se tá bem?
- Não é da sua conta.
- Nossa que ignorância, se tá estranho, tá acontecendo alguma coisa, sua boca tá seca toda rachada, já foi no médico.
- Esse café tá pronto.
- Se tá me olhando estranho, tá com algum problema.
Pensou em falar que estava com tesão nas pernas dela e queria transar com ela ali mesmo na cozinha, mas sua fissura pela pedra era maior, que o desejo sexual, além do que nunca foi muito corajoso com as mulheres, tinha medo de levar fora, ou coisa parecida. Tinha ficado apenas com duas ou três meninas apenas, isso por quê, elas se impressionavam com suas roupas de marca. Dai veio o apelido de Hugo Boy. Pois apesar da escola ser de classe média, ele sempre se destacava, com roupas caras que sua mãe comprava pra ele. Detestava uniforme escolar, achava brega, e adorava o seu nike shox doze molas. Hoje sua grana estava acabando, e pensava em começar a vender algumas roupas, pra comprar mais pedra, pois sua mãe andava muito desconfiada, e dava cada vez menos dinheiro a ele.
- Hugo, algum problema, se tá a cinco minutos me olhando sem piscar? Tá aprontando alguma?
Hugo saiu sem responder, o café estava pronto, mas ele não queria a porra do café. Não queria conversar com a empregada, não queria ver a cara da irmã, que estava mais vadia a cada dia. Pensou no pai que não punha os pés em casa à cinco dia, mais preocupado com lucros e status. Não queria ver o pai também, fodasse ele e sua empresa de merda. Queria ver a mãe, mas só se ela tivesse dinheiro pra dar. Queria mesmo era ver seu novo amigo, conversar com ele, pois juntos se entendiam. Queria tocar nele, usá-lo, curtir ele...
Pegou o celular e a carteira em cima da escrivaninha, olhou quanto tinha em sua carteira, apenas dez reais. Era o suficiente pra matar a vontade, usaria o bilhete único pra chegar no centro, lá era mais fácil pra conseguir a droga. Droga não! Droga era a vida que ele levava naquela casa. Casa sem vida, sem luz, sua família se destruirá a muito tempo, eles é que não enchergavam, não viam. E quando chegava uma visita em casa, a única coisa verdadeira ali, era um retrato 10 por 15, dentro de um porta retrato dado por sua vó que morava no interior paulista. Naquele retrato a família estava reunida, alegre e feliz. HOje ele queimava suas lembranças na pedra. Mas ainda assim se sentia feliz por dentro, por alguns instantes.
Hugou pegou a chave, pouco se preocupou com sua aparência, abriu a porta e saiu. Foi para o centro... dos mortos vivos. O centro de São Paulo fervia aquela hora, mas só o seu país, a sua pátria amada é que lhe interessava e por qual dava até a vida se fosse preciso: A cracolândia.
Renato Vital é escritor, Rapper do Grupo Fato Realista e poeta.
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